Há 80 anos: Hiroshima e Nagasaki

No dia 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos da América lançaram sobre a cidade japonesa de Hiroshima uma bomba atómica de urânio (“Little Boy”) e, no dia 9 de agosto, uma bomba nuclear de plutónio (“Fat Man”) sobre Nagasaki (ver imagens dos “cogumelos” no topo da página).

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Imagens das duas bombas lançadas sobre o Japão em agosto de 1945

Escassos 20 dias antes, a 16 de julho de 1945, tinha sido realizado pelos EUA, no deserto de Nevada,
o primeiro teste de uma arma nuclear, com a designação "Trinity".

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Explosão da bomba testada no deserto de Nevada (Teste Trinity)

Os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki terão provocado entre 130.000 a 250.000 mortos e um número desconhecido de feridos, designadamente em consequência das radiações e de queimaduras.

Na última página do Diário de Lisboa de 6 de agosto de 1945, uma pequena notícia, sob o título "A ofensiva aérea contra o Japão", anuncia que "580 Super Fortalezas Voadoras lançaram 3.50 toneladas de bombas" sobre importantes objectivos industriais do Japão.

No dia seguinte, o mesmo jornal anuncia na primeira página que "A bomba atómica vai revolucionar o mundo quando a sua espantosa fonte de força for posta ao serviço da indústria", aqui já se referindo ao lançamento da bomba atómica sobre Hiroshima - que ocorreu na véspera e que aparece designada pela Rádio Tóquio como tendo provocado elevado número de mortos.

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Tentando escapar ao apertado controlo censório sobre a matéria, o Diário de Lisboa dedica um artigo a "dois cientistas portugueses" que, em laboratórios estrangeiros, participaram "nas pesquisas iniciais para a desintegração do átomo", sendo Manuel Valadares e Marques da Silva, ambos da Faculdade de Ciências e colaboradores próximos de Cirilo Soares, entrevistados não exatamente sobre a bomba, mas essencialmente sobre a nova fonte de energia - que, segundo afirmam, sucederá à energia dos combustíveis fósseis, ou seja a hulha e o petróleo e das quedas de água ou "hulha branca".

As declaraçõees destes cientistas - que o governo salazarista virá a perseguir, afastando-os da universidade, enquanto Cirilo Soares se aposenta solidariamente e o Laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa é encerrado - salientam, em especial, os trabalhos do laboratório Curie, a que estiveram associados e referem também as minas de urânio do distrito da Guarda ("que, aliás, estão a ser exploradas pelo ingleses") e "os grandes depósitos de minérios radioactivos" assinalados na então colónia de Moçambique.

Quando falamos da censura, convirá recordar que as referências à Conferência de Potsdam, que decorreu entre 7 de julho e 2 de agosto de 1945, numa área de Berlim, eram frequentemente amputadas em Portugal do nome de um dos três principais participantes, Estaline, como se a URSS não estivesse representada com os EUA e a Grã-Bretanha.

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Conferência de Potsdam: sentados, Clement Attlee,  Harry Truman, José Estaline
(O dirigente trabalhista Attlee substituiu Churchil na Conferêbcia após a sua vitória nas eleições britânicas)

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Nota de Truman sobre o diálogo com Estaline, 19 de julho de 1945
(imagem: The Manhattan Project, U.S. Department of Energy)

Valerá também aqui evocar um episódio que os arquivos estado-unidenses nos permitem hoje conhecer: no verso de uma fotografia da Conferência de Potsdam, o presidente dos EUA, Harry S. Truman, escreveu, com data de 19 de julho, que Estaline não compreendera quando então lhe referiu uma nova e poderosa arma americana. A verdade é que estava enganado: Estaline conhecia, pela espionagem soviética, o projeto da bomba atómica três anos antes de Truman - que só fora informado quando tomara posse como Presidente, em abril de 1945...(fonte: The Manhattan Project, U.S. Department of Energy)

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Ordem para atacar as cidades japonesas com bombas atómicas. 
O Chefe do Estado-Maior do Exército em exercício, Thomas Handy, 
ordena ao General Comandante Carl Spaatz, 
das Forças Aéreas Estratégicas do Exército, que 
"lance a primeira bomba especial assim que o tempo o permitir... após 3 de Agosto de 1945".
(documento disponível no Arquivo Nacional dos EUA)
Recorde-se que a Conferência de Potsdam terminou a 2 de agosto.
Inicialmente, os alvos definidos eram os seguintes: Hiroshima, Kokura, Niigata e Nagasaki.
Outros ataques também foram autorizados:
"bombas adicionais serão lançadas sobre os alvos acima assim que estiverem prontas".

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Aspeto da destruição das cidades de Hiroshima e Nagasaqui após os bombardeamentos atómicos

A 15 de agosto, o Imperador Hirohito, fez um discurso, previamente gravado, que foi transmitido pela rádio no Japão, anunciando a aceitação das deliberações que exigiam a rendição incondicional do país no final da Segunda Guerra Mundial.
O discurso foi proferido após os bombardeamentos atómicos de Hiroshima e Nagasaki e a vitória soviética sobre o estado fantoche de Manchukuo, controlado pelo Império japonês, na Manchúria.
A rendição formal do Japão viria a ocorrer no dia 2 de setembro de 1945, a bordo do couraçado norte-americano USS Missouri, na Baía de Tóquio.
 

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Na primeira página da Seara Nova n.º 940, de 18 de agosto de 1945, Alberto Candeias abordou, sob o título "Cataclismo", o bombardeamento norte-americano de Hiroshima e Nagasaki, referindo a "crise de inquietação e confusão" em que foi lançada a humanidade.
Aí começou por se interrogar sobre quem, entre nós, poderia "dar uma ideia mesmo só magramente esquemática e essencial" do fenómeno da "desintegração provocada da matéria" e, por outro lado, sobre "quantas pessoas possuirão aquele mínimo de conhecimentos indispensáveis à compreensão, mesmo só muito grosseira" do processo.
Sublinhou depois "quanto deixam de fazer sentido os zelos particularistas (...) que consideram secretas as descobertas científicas".
Com inegável perspicácia, e candura, Alberto Candeias cita depois um texto do presidente da Royal Society de Londres ao jornal The Times assinalando que, tendo sido o projeto da bomba atómica "o maior dos segredos da guerra", que importa "conservar secreto até que a guerra com o Japão acabe", a verdade é que "temos tolerado muito, e queríamos tolerar tudo para garantir a vitória pela liberdade." Ou seja, "libertando os cientistas de quaisquer reivindicações nacionais de segredo àcerca de descobertas científicas."

E conclui o cientista britânico: "quando se alcançar a vitória desejamos essa liberdade" - liberdade que não tivemos, continuando os projetos da bomba atómica (e dos reatores nucleares) submersos nas estratégias militares e de domínio de alguns Estados.