De toda a acção escolar do Professor Bento Caraça que é, em muitos aspectos, do conhecimento dos leitores da «Gazeta de Matemática», pretende-se destacar aqui, apenas e em resumo, aquela parte que se relaciona directamente com a introdução no nosso País dos métodos da Econometria.
Pode dizer-se que o primeiro sinal do seu interêsse pelo desenvolvimento dos estudos econométricos em Portugal e pela garantia de objectividade que os métodos da Econometria oferecem no tratamento dos problemas económicos, foi a fundação do Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia (C.E.M. A.E.), em Janeiro de 1938. Na justificação da proposta de fundação deste centro de estudos, apresentada ao Conselho Escolar do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, está bem patente o reconhecimento da impossibilidade de um plano de estudos rígido seguir intimamente o progresso dos meios de investigação e assimilar ràpidamente novos métodos e novas técnicas. Nessa justificação acha-se também a constatação da extensão progressiva dos métodos matemáticos ao estudo dos fenómenos biológicos e sociais.
Nestes dois pontos e no reconhecimento do interesse nacional dos resultados da tarefa decorrente se radica a acção do Professor Bento Caraça no quadro do C.E.M. A.E. e atravéz dela é possível observar como procurou suprir com o trabalho do centro as insuficiências de um plano de estudos fixo e como tentou introduzir novas técnicas de observação, de análise e de interpretação por meio da formação de quadros especializados. O exame da acção do Professor Bento Caraça no C.E.M. A.E., que dirigiu desde a fundação até, pode dizer-se, à extinção — alguns dias após a Sua demissão do cargo de professor catedrático do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, em Outubro de 1946,—o exame da sua acção, dizia-se, conduz à conclusão de que reservava aos métodos que a Matemá tica faculta agora para o ataque dos problemas sociais, que nem por isso deixa de envolver a necessidade da extensão progressiva dessa aplicabilidade, para que haja ampliação efectiva do conhecimento.
A par da sua permanente preocupação de formar quadros, preocupação que nunca enfraqueceu, quer perante a ausência absoluta de meios financeiros que caracterizou a fase inicial da vida do C.E.M.A.E., quer em face de perturbações do apoio material que o Instituto para a Alta Cultura reservou ao centro de 1942-43 até à Sua extinção em 1946, deve colocar-se a não menor preocupação de aproveitar ao máximo todas as contribuições e de conseguir a coordenação de todos os esforços.
Vem a este propósito a citação da colaboração do C.E.M.A.E. no Congresso de Córdova do 1944 promovido pela Associação Luso-Espanhola para o Progresso das Ciências, e da aprovação unânime, neste mesmo Congresso, da proposta do Professor Bento Caraça, director e delegado do - C.E.M.A.E., relativa à unificação e à coordenação dos estudos demográficos sobre as duas nações ibéricas.
A primeira tentativa para a introdução sistemática, em Portugal dos métodos da Econometria deve-se ao Professor Bento Caraça e a importância desta tentativa não fica diminuída, nem pelos seus próprios e inevitáveis defeitos que representarão, depois -de atentamente examinados, preciosa experiência adquirida, nem pela forma como se lhe pôz termo forçado.
Tal tentativa, aparentemente fracassada, ficará a ser, como foi efectivamente, apenas um aspecto da luta pela organização e defesa do trabalho científico, que há-de ser levada por diante, aspecto parcelar êsse que será reconsiderado e ampliado, como será inevitável, se se pretender resolver racionalmente problemas fundamentais. Então, a obra do Professor Bento Caraça, neste domínio, surgirá em toda a sua verdadeira extensão e revelará todos os seus autênticos méritos, dos quais não serão os menores a profunda intenção nacional e o total desinteresse pessoal com que foi realizada.
Publicado na Gazeta de Matemática n.º 37-38, de Agosto-Dezembro 1948, que assinalou o falecimento de Bento de Jesus Caraça.