18 de Abril: aniversário do nascimento de Bento de Jesus Caraça

Celebração do 121º aniversário do nascimento de Bento de Jesus Caraça

Passa o aniversário do nascimento de Bento de Jesus Caraça em 18 de Abril de 1901. Filho de trabalhadores rurais, passou a infância no Redondo, cedo captando a atenção da proprietária da herdade que então assumiu o encargo da sua educação. Assim, prosseguiu os estudos no Liceu em Santarém, depois em Lisboa onde concluiu o ensino secundário com distinção.

Em 1918 ingressou no Instituto Superior de Comércio (hoje Instituto Superior de Economia e Gestão), tendo logo no ano seguinte sido convidado pelo professor Mira Fernandes para seu assistente. Licenciado em 1923, seguiu a carreira académica, ascendendo a professor extraordinário de Matemática logo em 1927 e a professor catedrático logo em 1929. 

Bento de Jesus Caraça afirmou-se como professor rigoroso e exigente, atraindo a atenção dos seus alunos, e de outros vindos de outras escolas para assistir às suas aulas, cada vez mais concorridas. Mas a sua actividade científica não se restringiu à prática lectiva. 

No curto intervalo de cinco anos, uma geração notável de matemáticos de que Bento Caraça fez parte fundou a revista Portugaliæ Mathematica  (1937), a Gazeta de Matemática (1939), o Seminário Matemático de Lisboa (1938), o Centro de Estudos Matemáticos Aplicados à Economia (1938), o Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa (1940) e o do Porto (1942). Nesse contexto surgiu também a Sociedade Portuguesa de Matemática (1940). Caraça foi uma dessas figuras prominentes – nas Ciências Matemáticas e na intervenção cultural e cívica. 

O sentido mais excepcional da obra de Bento Jesus Caraça terá porventura sido a promoção do acesso ao saber – mas saber partilhado, na busca do aperfeiçoamento individual e colectivo, a cultura integral. Nesse sentido promoveu a socialização e mobilização de vontades e saberes entre os seus concidadãos, que se traduziu na criação e dinamização da Universidade Popular Portuguesa, bem como na criação e ampla difusão da Biblioteca Cosmos. Mais tarde, assumirá também expressa intervenção política, integrando o MUNAF e o MUD, o que terá precipitado a sua demissão da cátedra, à semelhança do que aconteceu com outros professores que foram expulsos da docência universitária a partir de 1945.   

Recordemos alguns episódios dessa época – anos 1930 e 40 – para situarmos as circunstâncias que afligiam Caraça e os seus contemporâneos. Em 28 de Maio de 1926, um golpe militar havia posto fim ao regime parlamentar da primeira República. A Confederação Geral dos Trabalhadores reagira então, lançando uma greve geral que resistiu durante alguns dias; todavia, em 1927 a CGT foi dissolvida e o seu órgão A Batalha, encerrado. O movimento sindical reorganizou-se em torno da Comissão Inter-Sindical e lançou greves e manifestações operárias, reprimidas. Em 1933 foi plebiscitada uma nova Constituição e promulgado o Estatuto do Trabalho Nacional, dois dos pilares da ditadura do Estado Novo que perduraria até 1974. Os “sindicatos livres” foram então encerrados, ainda que alguns tenham reagido e mantido actividade semiclandestina; e, em 18 de Janeiro de 1934, um movimento grevista insurreccional foi derrotado. Pelo contrário, sindicatos “nacionais”, os grémios e as corporações oficiais foram impostos. Em 1935, por decreto-lei foi determinado serem «aposentados ou reformados, se a isso tiverem direito, ou demitidos, em caso contrário», os funcionários ou empregados, civis ou militares, que revelassem ou tivessem revelado «espírito de oposição aos princípios fundamentais da Constituição Política» ou não dessem garantias «de cooperar na realização dos fins superiores do Estado». 

 

É neste quadro complexo e sinistro que vamos encontrar Bento de Jesus Caraça no seu lúcido e aparentemente sereno apostolado cultural e cívico. Para ele, a década de 30 (e os primeiros anos da década de 40) foi um período de intensa actividade universitária, cívica e cultural no sentido mais lato do termo, actividade de estudo e reflexão pessoal por um lado, igualmente de comunicação e socialização, por outro. Dedica-se à docência no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras; profere conferências na Universidade Popular Portuguesa (1919-1933) e noutras associações populares; colabora em jornais de combate (O Diabo, O Sol Nascente, Liberdade, O Globo) e em revistas de doutrinação (Seara Nova, Vértice); publica obras científico-pedagógicas para o ensino das Matemáticas. Como se indicou atrás, nesta época colaborou na criação de várias revistas científicas e centros de investigação, onde sobressai a Sociedade Portuguesa de Matemática. É ainda o tempo de cúmplice socialização nos passeios do Tejo, organizados por Alves Redol e Dias Lourenço, a bordo do varino Liberdade e nas povoações ribeirinhas, em que convergiram figuras destacadas nas esferas científica, artística e literária e do Neo-Realismo.

Em 1941 lançará um notável monumento da cultura portuguesa do século XX, a Biblioteca Cosmos, que surgiu como a materialização de um projecto de formação e divulgação que vinha prosseguindo desde uma década atrás através da Universidade Popular Portuguesa e outras associações populares, a que a sua experiência pessoal e a rede de cumplicidades entretanto estabelecida entre a intelectualidade esclarecida, conferiram imediato sucesso.

Na conferência “As Universidades Populares e a Cultura” (1931) afirma «…Eduquemos e cultivemos a consciência humana, acordemo-la quando estiver adormecida, demos a cada um a consciência completa de todos os seus direitos e de todos os seus deveres, da sua dignidade, da sua liberdade. Sejamos homens livres, dentro do mais belo e nobre conceito de liberdade – o reconhecimento a todos do direito ao completo e amplo desenvolvimento das suas capacidades intelectuais, artísticas e materiais…»; e em “A Cultura Integral do Indivíduo” (1933) afirma «…A aquisição da cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas do quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico, significa, numa palavra, a conquista da liberdade….».

Caraça entendia a cultura una e universalista. A arte e a literatura teriam de estar também no centro do seu interesse e da sua intervenção. Assim as suas conferências  A Arte e a Cultura Popular (1936), RabindranathTagore (1939) e Algumas Reflexões sobre a Arte – esta já em 1943, na abertura de uma série de sessões de divulgação musical a cargo de Fernando Lopes Graça – testemunham a intervenção de quem, não se assumindo crítico de arte ou estudioso da estética, era seduzido pelo sentimento do belo e estava fundamentalmente convicto da importância da arte como factor de aperfeiçoamento individual e de comunhão humana no plano social. 

Biblioteca Cosmos, criada em 1941 sob a direcção de Bento de Jesus Caraça, é um marco da história da cultura em Portugal do século XX. Iniciada em 1941 — com O Homem e o Livro, do engenheiro M. Iline, O Problema do Trigo de Henrique de Barros, Pequena História da Poesia Portuguesa de João de Barros, O Cristianismo e a Mensagem Evangélicade Pe. Alves Correia, A China Antiga e Moderna de José de Freitas, A Vida e A Obra de Darwin de Alberto Candeias, Conceitos Fundamentais da Matemática do próprio Caraça –desde 1941 até 1948, à data da morte do seu fundador, foram publicados 114 títulos, 145 volumes, com uma tiragem global de quase 800 mil exemplares. A Biblioteca Cosmos surge como a materialização de um projecto de formação e divulgação cultural para as massas populares que, lenta e seguramente, vinha sendo prosseguido desde há uma década atrás. Caraça propunha-se dar ao maior número de pessoas o máximo possível de cultura geral, tornar acessível a todos uma visão geral do mundo físico e social, a sua vida e os seus problemas; divulgar sem abaixar nem deturpar, trazendo ao nível do homem comum o património cultural comum; para o que o autor deveria possuir domínio completo do assunto, inclinação filosófica e capacidade de exprimir com simplicidade sem perder rigor temático. As aspirações populares reprimidas, mas também persistentemente alimentadas, a justeza do objectivo fixado, a experiência e o prestígio pessoais de Caraça, a rede de colaborações entretanto estabelecida entre a intelectualidade sensibilizada para a concretização desse objectivo, todos foram factores que se conjugaram em termos de conferir imediato e extenso sucesso ao projecto. Entre os autores que colaboraram conta-se grande parte da elite intelectual portuguesa de então, alguns já consagrados e outros que o seriam mais tarde.

Exemplo e obra de Bento de Jesus Caraça mantêm hoje a sua actualidade e urgência. 

Rui Namorado Rosa

Vice-Presidente da Direcção da ABJC

Abril 2022